Parece que a natureza está respondendo simbolicamente ao clima de frustração presente no Rio de Janeiro exatamente quando se inicia a Conferencia com os chefes de Estado na Rio+20. Depois de dias luminosos e de muita dinâmica na Cúpula dos Povos e nos pavilhões do Rio Centro, o céu está cinzento e carregadas nuvens se sobrepõem à cidade. Aqui, no aeroporto embarcando de volta para o sul, repasso um pouco do que vi nestes dias de intensa movimentação.
Dois movimentos distintos. De um lado a Cúpula dos Povos com sua multifacetada imagem, reunindo movimentos sociais, ONGs, Igrejas e tantos outros atores que seria impraticável nominar todos aqui. Gestos, vozes, cânticos e danças compuseram uma fotografia colorida e viva, cheia de energia e de sonhos que pulsavam em toda a área do aterro do Flamengo. Neste contexto, minha participação foi em alguns pontos da programação, como por exemplo na vigília de domingo à noite. Ali, sob a inspiração do Criador, religiões proclamaram a necessidade de se afirmar direitos como elemento fundante de uma sociedade que precisa cuidar da criação e das criaturas. Pudemos interagir ali como nossos irmãos e irmãs de diversas matrizes espirituais e na sequência pude interagir com os mesmos em dois momentos reflexivos em painéis. Atores como o CONIC, Conselho Mundial de Igrejas, CLAI e ACT Alliance se revezaram em oficinas que discutiam acima de tudo a contribuição concreta das igrejas e religiões para a construção de um mundo justo e sustentável.
Neste contexto, a IEAB se destacou por uma delegação que esteve sempre interagindo para fora e para dentro de si mesma. Um aguerrido grupo de 16 anglicanos (até mais se contarmos com as presenças ocasionais) sob a liderança do nosso Primaz, d. Mauricio, se uniram a outras forças para afirmar o sonho de um mundo mais solidário, mais humano e mais sustentável.
Ao todo, pude participar oficialmente de três momentos de painéis e um momento de lançamento da publicação da Christian Aid sobre desigualdades no Brasil e na América Latina. E pude assistir outros dois painéis, todos dentro da agenda ecumênica da Tenda Religiões por Direitos. No Rio Centro, onde acontecia a agenda chamada de oficial, pude interagir no painel conjunto ACT Alliança e parceiros alemães sobre o sério problema da emissão de carbono na atmosfera e a postulação de um modelo econômico com baixo carbono – aliás assunto ainda ignorado pelos países ricos e por alguns países em desenvolvimento.
Ainda hoje, antes de embarcar de volta, pude ter um encontro conjunto ACT Aliança e Conselho Mundial de Igrejas com importante figura da incidência pública ambiental internacional: a ex- Presidente da Finlandia, Sra. Tarja Halonen.
Na medida em que a Conferencia caminha para seu final, me sinto um pouco frustrado com o que pode vir a ser mais um documento oficial que acabará não obrigando ninguém a nada. E mais uma vez os poderosos deste mundo preferiram pensar em seus próprios interesses e nos interesses das grandes corporações e de seus arquitetos do financismo do que assumir um compromisso de mudança.
É evidente o divórcio entre sociedade civil e governos e não sei como isso se resolverá. Talvez, como foi dito em um dos painéis, isso só se resolva com uma radical reforma política (se referindo ao Brasil). Enquanto isso não acontece fica a esperança de que o mundo acorde antes que seja tarde para se sustentar e garantir às futuras gerações uma sociedade menos predatória e autofágica. Da Cúpula dos povos fica o exemplo de que os sonhos continuam pulsando.
Do ponto de vista da IEAB, creio ter sido mais uma presença e testemunho eficaz. A presença anglicana na Rio+20, mesmo com as dificuldades de articulação entre as esferas internacional e nacional, teve no SADD/Anglican Alliance um grande ator. Foi muito bom conviver e ser acolhido pela DARJ e pela comunidade da Christ Church. Foi bom perceber que a IEAB se faz mais uma vez destacar na articulação ecumênica mais ampla. Foi bom estarmos bispos, clérigos e leigos articulados numa incidência pública. Repetimos assim o que tem sido nosso compromisso de articulação ecumênica e inter-religiosa, desde os fóruns sociais mundiais. Fica o desafio de melhor articular no futuro uma presença articulada também a nível internacional. Lamento que isso ainda seja um desafio a enfrentar. Talvez o exemplo de AA/SADD/ACEN sirva-nos de modelo para as nossas próximas incidências!
Meu abraço e minhas orações!
+ Francisco de Assis da Silva
Bispo da Diocese Sul Ocidental