quarta-feira, 27 de julho de 2016

Entrevista: Ivone Gebara (parte 2)

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     De que forma o seu caminho e o do feminismo se cruzaram?

     O feminismo entrou na minha vida no final da década de 70, quando estava em Recife, onde passei 34 anos. Eu me sinto mais nordestina, inclusive, que paulista. Acho que foi lá que fui me tornando feminista. Alguns livros sobre feminismo caíram no meu colo, li muito sobre o tema. Mas, além da literatura, a convivência com as mulheres também me levou para esse caminho. Fui me dando conta do quanto estava defasada, mesmo já sendo teóloga da libertação. Lutava pela libertação dos pobres, dava cursos, andava pelas cidades do interior, mas só acordei para o fato de que o sujeito feminino era diferente do masculino - do ponto de vista da vivência corporal, social, política - na convivência com elas. Lembro-me de que, certa vez, a mulher de um operário me disse que eu falava feito um homem. Que eu só sabia falar de sindicato, de política e que não entendia nada das dores, dificuldades e problemas das mulheres. Fiquei muito assustada com aquilo e comecei a chorar, mas não de raiva. Eram lágrimas de consciência. Percebi que falava a mesma linguagem patriarcal da igreja e não apreendia o sofrimento particular das mulheres. Esse foi um grande aprendizado e não apenas sobre elas, mas sobre mim, porque descobri que também não me conhecia.

     E como é ser uma freira feminista?

     É algo desafiante e, à primeira vista, completamente contraditório porque ser freira significa que você está ligada à instituição católica, apostólica, romana, que é uma congregação religiosa governada por homens e, portanto, predominantemente masculina. Mas é também interessante porque, mesmo nesse universo patriarcal, é possível encontrar mulheres livres, que conseguem fazer o seu bailado com a finalidade de se realizar como pessoa, mas também de ajudar a mudar esse mesmo mundo, que é bastante cúmplice da opressão das mulheres.Mas de que maneira e com quais argumentos a senhora busca desconstruir esse discurso de que o aborto é pecado?Acho que nenhum argumento convence os patriarcas da igreja porque, na realidade, eles têm um poder sobre o corpo das mulheres. Quando você pergunta para uma mulher se Deus é homem ou mulher, o que ela responde? Homem. A partir daí você já tem a essência dessa pessoa habitada pelo poder masculino. Nós, teólogas feministas, dizemos o contrário. Acreditamos que quem me habita sou eu. Não defendo o aborto, apenas reconheço que ele existe. Assim como não defendo que ninguém se drogue, mas reconheço a existência do sério problema das drogas. A igreja utiliza o argumento do respeito à vida, mas o próprio governo da igreja nunca respeitou totalmente as vidas. Sempre existiu o controle dos pensamentos, dos corpos, caça às bruxas. Eles sempre fizeram essas coisas. Esse negócio de 'o princípio da vida' não se sustenta. Esses princípios não dão às mulheres o direito à escolha. As igrejas não podem impor suas ideologias a todos os cidadãos de um país. É preciso cultivar uma educação, seja nas escolas, nos partidos ou nos meios de comunicação, que as pessoas sejam capazes de avaliar o que é melhor para elas e fazerem suas escolhas de modo consciente. E também é necessário que haja uma assistência digna porque o aborto é um problema de saúde pública, que causa muitos transtornos para as mulheres e para as famílias.

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