quarta-feira, 3 de outubro de 2012

“Ele me abriu os olhos” – Reuniões Provinciais 2012

* Por Dom Sebastião Armando
Bispo da Diocese Anglicana do Recife

Em agosto passado tivemos em Brasília três importantes reuniões provinciais.

Começamos com a Câmara dos Bispos. Estávamos todos os bispos diocesanos e mais Dom Almir dos Santos. Partilhamos experiências e preocupações e discutimos assuntos que dizem respeito à vida da Província e de nossas dioceses em particular: a preparação para o próximo Sínodo em 2013; os grandes progressos missionários no Distrito Missionário Anglicano, a ponto de considerá-lo referência para uma séria análise e reflexão de todas as dioceses da IEAB; questões administrativas e financeiras no dia a dia da Província depois da transferência da Secretaria Geral para São Paulo; a nova estrutura da Educação Teológica; relações com a Comunhão Anglicana mundial e o Pacto Anglicano…

Em seguida, reuniu-se o Conselho Executivo do Sínodo. Nalguns momentos houve sessão conjunta com a Câmara dos Bispos, como, por exemplo, para tratar do Distrito Missionário e para discutir o que dizia respeito à Diocese Anglicana do Uruguai, a qual dirigiu solicitação ao Conselho Consultivo Anglicano no sentido de desligar-se da Província do Cone Sul da América e filiar-se a alguma outra província. Sua preferência é por integrar-se à IEAB. Isto se explica basicamente por três motivos: primeiro, por laços históricos, já que foi a IEAB que, a partir de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ajudou decisivamente a reavivar a presença anglicana em Montevidéu, durante os anos da ditadura militar, através dos reverendos Clovis Rodrigues e Jubal Neves, depois bispos do Recife e de Santa Maria, pondo assim os alicerces da futura diocese; em segundo lugar, pela continuidade territorial com o Brasil; finalmente, pela crescente integração pastoral com nossa Área Provincial I (Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas). Naturalmente, era necessário que a IEAB manifestasse seu “de acordo” a esse desejo da diocese irmã. Foi o que fizermos em decisão conjunta da Câmara dos Bispos e do Conselho Executivo, enviada ao Conselho Consultivo Anglicano e comunicada pelo Revmo. Bispo Primaz aos Primazes das províncias da América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México) e da América Central. Oremos a Deus para que esse assunto se resolva a contento e a solução represente mais um passo no estreitamento de nossos laços de fraternidade, tanto anglicana quanto continental.

Finalmente, tivemos o encontro de avaliação de cinco anos de caminhada do Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento. Foi momento realmente muito especial. Digno de elogios à equipe de coordenação foi o processo de organização e o desenrolar de todo o trabalho. Além de termos o panorama geral do que tem acontecido nas dioceses mediante os projetos aprovados e financiados pelo SADD, foi profunda e esclarecedora a reflexão e a avaliação que fizemos em comum, representantes de todas as dioceses e do Distrito Missionário. Por nossa Diocese estávamos Ilcélia Soares, que é a pessoa de ligação entre a Coordenação e a Diocese, e o Bispo. Para honra de nossa Diocese, Dom Sebastião tinha sido convidado a propor a meditação bíblica sobre o texto do Evangelho de São João, capítulo 9º, sobre o cego de nascença. Refletimos sobre a mensagem trazida pelo evangelista como provocação para compreender o processo de evangelização mediante gestos de transformação das pessoas, a fé que toma corpo no Batismo como recriação do ser humano, barro transfigurado pelo sopro (“cuspir” se dá por expirar), luz que clareia a escuridão do caos no “primeiro dia” e “abre os olhos”. Ao ser humano, lhe é dada nova experiência de ser, de passagem da humilhação (mendigo) e da deficiência de “não ver”, à condição de “olhos abertos”. Longe de reintegrar-se ao sistema de convivência no qual as pessoas se acham cegas pela ideologia dominante, o ser humano, transformado pelo encontro recriador com Jesus, já não se adapta ao viver de antes, testemunha de sua experiência, não pode negá-la, cresce em coragem para testemunhá-la sempre de novo até diante dos poderosos, e cada vez que é levado a revê-la percebe sempre com mais profundidade a realidade própria e do sistema do mundo… finalmente já não é suportável, torna-se “persona non grata” e é “expulso da Sinagoga”, símbolo oficial da ideologia do sistema de exclusão. Uma vez expulso, Jesus o reencontra e abre-lhe um novo rebanho, a comunidade, quem sabe, de “mendigos”, pobres e até perseguidos, mas agora de “olhos abertos”, chamados a formar aquilo que Carlos Barth diz da Igreja, “conspiração de testemunhas” contra os sistemas deste mundo, sob o poder opressor de Satanás, o Adversário de Deus e de Seu Reino.

Três pontos chamaram claramente a atenção: o SADD tem provocado a Igreja a abrir-se sempre mais para a ação social, são cada vez mais comunidades a assumir projetos sociais pelos quais se vai dando o diálogo com a sociedade local e a mensagem transformadora do Evangelho se mostra relevante; vai crescendo a consciência de que não basta assistir o povo pela ação social, fazer-lhe bem, mas o que é preciso é que toda a ação social da Igreja tenha um cunho político, ou seja, transformador da pessoa e da sociedade, que não lhe seja acessório, mas inerente, o que depende radicalmente do método e da análise de sociedade que fazemos; finalmente, sentimos claramente que o SADD está provocando a Igreja a repensar seus conceitos a respeito de evangelização e, assim, perceber com mais clareza que a ação sociopolítica corresponde aos gestos de Jesus que abrem o diálogo sobre os valores do Reino de Deus. Ou seja, a ação sociopolítica é dimensão do próprio processo de evangelizar.

Um dos pontos mais altos dos três encontros foram as liturgias e os momentos devocionais, preparados com muita competência pela Revda Magda Guedes, deão da Catedral Anglicana de Brasília. Poéticos, contemplativos, participativos e radicalmente “políticos”, no sentidos de que nos levavam cada vez a nos confrontar com o que temos sido e feito, e com o compromisso que somos chamados, chamadas a assumir com a tarefa transformadora do Reino, como nos orientam as “Cinco Marcas da Missão” na Comunhão Anglicana. Foi aceita a sugestão de que, assim como o texto de Emaús (Lc 24) é paradigmático para o CEBI, João, capítulo 9º o seja para o SADD. O que quer dizer que devemos meditá-lo intensa e repetidamente em nossas comunidades, que são a base da Igreja.

Damos graças a Deus por esses três momentos de intensa vivência de comunhão, que avivam ainda mais em nós o empenho missionário e a solidariedade provincial.

* DAR