* Por Dom Sebastião Armando
Bispo da Diocese Anglicana do Recife
Bispo da Diocese Anglicana do Recife
Em agosto passado tivemos em Brasília três importantes reuniões provinciais.
Começamos com a Câmara dos Bispos. Estávamos todos os bispos
diocesanos e mais Dom Almir dos Santos. Partilhamos experiências e
preocupações e discutimos assuntos que dizem respeito à vida da
Província e de nossas dioceses em particular: a preparação para o
próximo Sínodo em 2013; os grandes progressos missionários no Distrito
Missionário Anglicano, a ponto de considerá-lo referência para uma séria
análise e reflexão de todas as dioceses da IEAB; questões
administrativas e financeiras no dia a dia da Província depois da
transferência da Secretaria Geral para São Paulo; a nova estrutura da
Educação Teológica; relações com a Comunhão Anglicana mundial e o Pacto
Anglicano…
Em seguida, reuniu-se o Conselho Executivo do Sínodo. Nalguns
momentos houve sessão conjunta com a Câmara dos Bispos, como, por
exemplo, para tratar do Distrito Missionário e para discutir o que dizia
respeito à Diocese Anglicana do Uruguai, a qual dirigiu solicitação ao
Conselho Consultivo Anglicano no sentido de desligar-se da Província do
Cone Sul da América e filiar-se a alguma outra província. Sua
preferência é por integrar-se à IEAB. Isto se explica basicamente por
três motivos: primeiro, por laços históricos, já que foi a IEAB que, a
partir de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ajudou decisivamente a
reavivar a presença anglicana em Montevidéu, durante os anos da ditadura
militar, através dos reverendos Clovis Rodrigues e Jubal Neves, depois
bispos do Recife e de Santa Maria, pondo assim os alicerces da futura
diocese; em segundo lugar, pela continuidade territorial com o Brasil;
finalmente, pela crescente integração pastoral com nossa Área Provincial
I (Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas). Naturalmente, era necessário
que a IEAB manifestasse seu “de acordo” a esse desejo da diocese irmã.
Foi o que fizermos em decisão conjunta da Câmara dos Bispos e do
Conselho Executivo, enviada ao Conselho Consultivo Anglicano e
comunicada pelo Revmo. Bispo Primaz aos Primazes das províncias da
América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México) e da América Central.
Oremos a Deus para que esse assunto se resolva a contento e a solução
represente mais um passo no estreitamento de nossos laços de
fraternidade, tanto anglicana quanto continental.
Finalmente, tivemos o encontro de avaliação de cinco anos de
caminhada do Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento. Foi
momento realmente muito especial. Digno de elogios à equipe de
coordenação foi o processo de organização e o desenrolar de todo o
trabalho. Além de termos o panorama geral do que tem acontecido nas
dioceses mediante os projetos aprovados e financiados pelo SADD, foi
profunda e esclarecedora a reflexão e a avaliação que fizemos em comum,
representantes de todas as dioceses e do Distrito Missionário. Por nossa
Diocese estávamos Ilcélia Soares, que é a pessoa de ligação entre a
Coordenação e a Diocese, e o Bispo. Para honra de nossa Diocese, Dom
Sebastião tinha sido convidado a propor a meditação bíblica sobre o
texto do Evangelho de São João, capítulo 9º, sobre o cego de nascença.
Refletimos sobre a mensagem trazida pelo evangelista como provocação
para compreender o processo de evangelização mediante gestos de
transformação das pessoas, a fé que toma corpo no Batismo como recriação
do ser humano, barro transfigurado pelo sopro (“cuspir” se dá por
expirar), luz que clareia a escuridão do caos no “primeiro dia” e “abre
os olhos”. Ao ser humano, lhe é dada nova experiência de ser, de
passagem da humilhação (mendigo) e da deficiência de “não ver”, à
condição de “olhos abertos”. Longe de reintegrar-se ao sistema de
convivência no qual as pessoas se acham cegas pela ideologia dominante, o
ser humano, transformado pelo encontro recriador com Jesus, já não se
adapta ao viver de antes, testemunha de sua experiência, não pode
negá-la, cresce em coragem para testemunhá-la sempre de novo até diante
dos poderosos, e cada vez que é levado a revê-la percebe sempre com mais
profundidade a realidade própria e do sistema do mundo… finalmente já
não é suportável, torna-se “persona non grata” e é “expulso da
Sinagoga”, símbolo oficial da ideologia do sistema de exclusão. Uma vez
expulso, Jesus o reencontra e abre-lhe um novo rebanho, a comunidade,
quem sabe, de “mendigos”, pobres e até perseguidos, mas agora de “olhos
abertos”, chamados a formar aquilo que Carlos Barth diz da Igreja,
“conspiração de testemunhas” contra os sistemas deste mundo, sob o poder
opressor de Satanás, o Adversário de Deus e de Seu Reino.
Três pontos chamaram claramente a atenção: o SADD tem provocado a
Igreja a abrir-se sempre mais para a ação social, são cada vez mais
comunidades a assumir projetos sociais pelos quais se vai dando o
diálogo com a sociedade local e a mensagem transformadora do Evangelho
se mostra relevante; vai crescendo a consciência de que não basta
assistir o povo pela ação social, fazer-lhe bem, mas o que é preciso é
que toda a ação social da Igreja tenha um cunho político, ou seja,
transformador da pessoa e da sociedade, que não lhe seja acessório, mas
inerente, o que depende radicalmente do método e da análise de sociedade
que fazemos; finalmente, sentimos claramente que o SADD está provocando
a Igreja a repensar seus conceitos a respeito de evangelização e,
assim, perceber com mais clareza que a ação sociopolítica corresponde
aos gestos de Jesus que abrem o diálogo sobre os valores do Reino de
Deus. Ou seja, a ação sociopolítica é dimensão do próprio processo de
evangelizar.
Um dos pontos mais altos dos três encontros foram as liturgias e os
momentos devocionais, preparados com muita competência pela Revda Magda
Guedes, deão da Catedral Anglicana de Brasília. Poéticos,
contemplativos, participativos e radicalmente “políticos”, no sentidos
de que nos levavam cada vez a nos confrontar com o que temos sido e
feito, e com o compromisso que somos chamados, chamadas a assumir com a
tarefa transformadora do Reino, como nos orientam as “Cinco Marcas da
Missão” na Comunhão Anglicana. Foi aceita a sugestão de que, assim como o
texto de Emaús (Lc 24) é paradigmático para o CEBI, João, capítulo 9º o
seja para o SADD. O que quer dizer que devemos meditá-lo intensa e
repetidamente em nossas comunidades, que são a base da Igreja.
Damos graças a Deus por esses três momentos de intensa vivência de
comunhão, que avivam ainda mais em nós o empenho missionário e a
solidariedade provincial.
* DAR