sexta-feira, 20 de julho de 2018

AnglicanAfro

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão satisfeitos (Mt 5: 6)

Reverendo Adriano Portela dos Santos

No XXXII Concílio Diocesano da Diocese Anglicana do Recife (DAR), realizado em 2017, fui convidado para uma conversa com Ronaldo Sales, Antônio Amaro Nascimento, Revda. Lilian Conceição e Alexsandro, sobre os negros e as negras na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Perguntava-se por qual razão não temos um discurso sistemático sobre a afrodescendência dentro da Igreja e planejava-se fazer algo para mudar essa realidade.

Transcorrido um ano desde então, infelizmente não fomos para a frente com os nossos propósitos; no entanto, a provocação permaneceu em meu coração. Estive no XXXII Sínodo da IEAB (2018), em Brasília, com essa provocação estalando na mente e cheguei a perguntar a alguns sobre o assunto em sua realidade eclesial.

Três fatos nos últimos tempos me provocaram sobre o assunto. Primeiramente, fui convidado por uma comunidade em Santo Amaro da Purificação, Recôncavo da Bahia, para celebrar mensalmente a Eucaristia, numa igreja construída por um babalorixá. Durante a escravatura, diga-se de passagem, Santo Amaro foi um dos principais pontos de desembarque de negros e negras escravizados na Bahia. Dito isso, pode-se intuir o tanto de elementos afrodescendentes na sociedade santamarense.

Outro fato que me provocou foram as palavras da Profa. Dra. Elizete da Silva (UEFS), denunciando a conivência da Igreja Anglicana no Brasil com o sistema escravagista, no séc. XIX, diferentemente das orientações emanadas da Igreja da Inglaterra. A Profa. Dra. Elizete defendeu a tese “Cidadãos de outra pátria: anglicanos e batistas na Bahia”, no doutorado em História Social na USP. Para ela, enquanto a Igreja da Inglaterra condenou a escravidão ainda no final da primeira metade do séc. XIX, a Igreja Anglicana no Brasil anuiu ao sistema, inclusive porque seus membros também eram “proprietários” de pessoas negras escravizadas. Elizete, contudo, também sinaliza posturas de condenação da Igreja Anglicana do Brasil ao sistema escravagista, como a atitude do Rev. C. Nicolay, capelão da Saint George Church, em Salvador, que resolveu não ministrar a Ceia do Senhor para os anglicanos donos de escravos, em consonância com a postura da Igreja da Inglaterra.

O terceiro fato foi um convite feito pelo Conselho de Psicologia / Seção Feira de Santana, para falar sobre negritude, racismo e religião. Obviamente, enquanto anglicano, posso ter o orgulho de dizer que não corroboramos o racismo, sobretudo o religioso, e apoiamos a construção de uma sociedade mais equânime em sua dimensão étnico-racial. No entanto, busquei planos de ação da IEAB, linhas de enfrentamento ao racismo, mas se existirem, não encontrei. Vale a pena dizer que sou um membro recente na IEAB.

Enquanto homem negro, nordestino, oriundo do Recôncavo baiano, outrora terra dos engenhos de cana-de-açúcar, sinto-me compelido a motivar a Província ao estabelecimento de um plano de enfrentamento ao racismo ad intra e ad extra Igreja. Aproveitemos o ensejo da Década Internacional das pessoas afrodescendentes (2015-2024), declarada pela ONU, e nos engajemos efetivamente em prol do reconhecimento, justiça e desenvolvimento das pessoas afrodescendentes na Igreja e no Brasil.


Rev.  Adriano Portela dos Santos